LIMA BARRETO: O CRIADOR DO ROMANCE SOCIAL BRASILEIRO

by Grão-Mestre Adjunto

LIMA BARRETO: O CRIADOR DO ROMANCE SOCIAL BRASILEIRO

Filho de Amelia Augusta Barreto, professora pública e João Henriques de Lima Barreto, antigo tipógrafo do jornal “A Reforma”. Foi no dia 13 de maio, numa sexta-feira que nasceu Afonso Henriques de Lima Barreto, tendo recebido este nome pomposo na pia de batismo da Igreja Nossa Senhora da Glória, em 13/10/1881. Seu nome Henriques foi dado em homenagem a seu pai, e Afonso em homenagem a Afonso Celso de Assis Figueiredo, futuro Visconde de Ouro Preto, escolhido para padrinho, que o protegeu durante muito tempo.

A vida escolar de Lima Barreto também teve início em 13 de Maio, do importante ano de 1888. Nessa data emblemática, ele foi matriculado na Escola Pública, a fim de dar início a seus estudos. Vale lembrar ainda que, nessa mesma data, a Princesa Isabel assinou a Lei Áurea, abolindo a escravatura no Brasil. Neste dia, Lima Barreto foi levado pelo pai, para assistir a festa da libertação, participando, assim, desta inesquecível comemoração para todos os libertos.

Após aprovado no exame de seleção, matriculou-se em engenharia civil da Escola Politécnica em 1897, contudo, não chegou a concluí-lo.

Vale ressaltar que, Afonso Celso, padrinho de Lima Barreto, ampararia a ambos, pai e filho. Conseguiu melhorar a situação do primeiro, seu antigo empregado, obtendo-lhe uma função pública. A referida função era modesta, mas compatível com seus conhecimentos limitados que tinha e os serviços que podia prestar. Quanto ao menino, matriculou-o num dos melhores colégios da época, o Liceu Popular Niteroiense, fundado e mantido em Niterói pelo inglês Willian Cunditt.

Nesse colégio, Lima Barreto teve como colega de turma pessoas que depois se destacaria em vários setores da vida brasileira, como o jornalista Irineu Marinho, fundador do Jornal O Globo; o advogado Otávio Kely – depois ministro do Supremo Tribunal Federal – e o futuro almirante Augusto Carlos de Souza e Silva, que chegaria à Academia Brasileira de Letras.

Embora o período de convivência tenha sido relativamente curto, porque o colégio fechou com a Revolta da Armada, em 1893, ele teve o privilégio de ter convivido com essas grandes personalidades brasileira. Contudo, quando o Colégio reabriu, no ano seguinte, Lima Barreto já não se matricularia.

Tendo em vista que, o Visconde de Ouro Preto, seu padrinho e provedor, perseguido como monarquista, mal conseguia tirar da brilhante advocacia o necessário para a sobrevivência de sua família. O afilhado, agora desprotegido, foi marcar passo como funcionário modesto do Ministério da Guerra, sempre preterido nas promoções, talvez pela antipatia ou incompreensão dos chefes, os quais eram por ele retratado em suas crônicas ferinas e mordazes nos jornais que começava a escrever.

Lima Barreto percorreu quase todos os jornais de sua época, desfilando por eles uma infinidade de personagens e tipos amargos e sofredores, mas absolutamente reais, como, no caso do revisor Romariz, assassinado no empastelamento do jornal, A Tribuna, em 1890. Tipos que depois transportaria para seus livros como as “Recordações do Escrivão Isaias Caminha”, que começava a publicar numa revista de jovens rebeldes da qual era diretor, a Floreal, insurgindo-se contra o que a escritora Lúcia Miguel Pereira classificava como “mandarinatos literários”.

Juntamente com esses mesmos jovens rebeldes, entre os quais Everardo Backheuser e Heitor Lira, seria um dos pais do movimento estudantil brasileiro, fundando em 1901 a Federação de Estudantes, que tanto agitaria a mocidade acadêmica. Vale lembra que, nessa época, Lima Barreta não era mais estudante, mas ainda alimentava o sonho nunca alcançado de se formar na Escola Politécnica, onde brotava um socialismo exaltado e revolucionário. Só se afastaria do movimento quando, mais radical, não aceitou a adesão da Federação à campanha do serviço militar obrigatório.

Sempre fiel às antigas ideias, Lima Barreto estaria um pouco mais adiante, entre os fundadores da Confederação Operária Brasileira (1914) e entre os colaboradores de seu quinzenário, “A Voz do Trabalhador”. Colabora também em A Lanterna, jornal operário ligado à Comissão Internacionalista Contra a Primeira Guerra Mundial, a princípio com pseudônimo de Dr. Bogoloff, depois com o próprio nome.

Podemos dizer que, Lima Barreto era também um pensador vanguardista, pois, estava sempre a frente de seu tempo. No Correio da Noite tomaria posições ainda mais radicais contra o conflito, enquanto Olavo Bilac percorria o país em pregações militaristas. Em 1917 recebeu, com entusiasmo, a notícia da Revolução Russa, já na redação de O Debate, onde também andavam Adolfo Porto e Maurício de Lacerda. O seu estilo era sempre contundente.

Quando saiu seu romance Vida e Morte de M. J. Gonzaga de Sá, no qual o editor Monteiro Lobato investiu a fortuna de um conto de réis só em direitos autorais, Lima Barreto alimentou o sonho de ingressar na Academia Brasileira de Letras, concorrendo com Humberto de Campos e Eduardo Ramos. Teve apenas dois votos no primeiro escrutínio, reduzido a um no segundo. Não perdoaria a Academia, ridicularizada em longa série de jornais. E o “Gonzaga de Sá” seria um desastre de vendagem, provavelmente, outra resposta das elites que se julgavam ofendidas com as fortes críticas do autor.

Vale lembrar que, assim como já dissemos, Lima Barreto teve uma infância difícil, em lar modesto de um operário gráfico que, para melhorar na vida, aceitaria o lugar de administrador de um hospital de loucos, Hospício Pedro II. Um dia, quis o destino que o administrador do hospital passasse a interno e louco também. Intérpretes ambos de uma autêntica tragédia urbana, haveria de morrer, em 1922, num espaço de poucos dias.

Em meio a essas decepções e reações, Lima Barreto aposentou-se por invalidez em 1918, mesmo assim foi parar no Hospício Nacional, como indigente, em 1920, com problemas agravados a cada dia pelo alcoolismo crônico.

No hospício, encarregaram-no de varrer o jardim, fato que ainda aproveitaria como mote de sua incorrigível irreverência, dizendo a um repórter que fora entrevistá-lo: “Como você vê, até aqui predomina o pistolão”. Não se recuperaria mais, e daí por diante se intercalavam momentos de crise e criação, até o dia em que morreu: 1º de Novembro de 1922, numa casa modesta do subúrbio, sentado e abraçado a um exemplar de “Revue des Deux Mondes”.

Realmente, há alguma coisa de simbólico na sua morte sob o signo da Revue des Deux Mondes e da Semana de Arte Moderna (de 11 a 18 de Fevereiro de 1922, no Teatro Municipal de São Paulo). Dois mundos se encontravam nesse cidadão atormentado, cuja personalidade fora tão humanamente contraditória, cuja obra ousada representava a novidade firmemente apoiada na tradição, aproveitando na fórmula do americano Van Wycks Brooks, o passado utilizável para preparar o futuro”.

Segundo a escritora e crítica literária mineira, Lúcia Miguel Pereira deixaria dele seu juízo nítido e consagrador: “Podemos, sem exagero, considerá-lo o primeiro dos modernos. A Primeira Guerra de 1914 e a Revolução Russa em 1917, que sobrevieram durante o seu período de atividade, embora não figurassem nos seus livros de ficção – dos quase a maioria lhes é anterior –, influíram fortemente, pelos problemas que suscitaram, no seu espírito. Ainda quando não são diretamente abordadas, as ideias dominantes de uma época se refletem sempre nos escritores que, como o autor do Policarpo Quaresma, só reagem violentamente contra o que os cerca porque a tudo se sentem indissoluvelmente ligados”.

Dentre os muitos escritores que aceitaram a difícil tarefa de estudar as obras de Lima Barreto e que, acabaram se deparando com a complexidade de sua produção, podemos destacar Francisco de Assis Barbosa, biógrafo do festejado escritor.

Ainda, sobre o estilo literário de Lima Barreto, destacamos o que Sérgio Milliet depõe: “O que mais nos espantava, então, era o estilo direto, a precisão descritiva da frase, a atitude antiliterária do escritor, a limpeza de sua prosa, objetivos que os modernistas também visavam. Admirávamos por outro lado a sua irreverência fria, a quase crueldade científica, com a qual analisava uma personagem, a ironia mordaz, a agudeza que revelava na marcação dos caracteres”.

Essas são algumas das características do primeiro romancista social brasileiro, tratado carinhosamente por Tristão de Athaide ou Alceu de Amoroso Lima, um dos maiores pensadores brasileiros, de “o mulato genial”. Segundo esse grande escritor e pensador, Lima Barreto escrevia para sofrer menos.

Lima Barreto deixou uma obra muito vasta, embora tenha morrido aos 41 anos, totalizando 17 livros.

Vejamos algumas coincidências interessantes na vida desse genial escritor: Dostoiévski, escritor e pensador Russo, morreu em 1881, e Lima Barreto nasceu em 1881; o russo nasceu em 1822, o brasileiro morreu em 1922. Ambos eram gênios, mas grandes viciados: Dostoiéviski em jogo, já Lima Barreto em bebida alcoólica.

Ainda a título de curiosidade, ressaltamos que Lima Barreto, assim como João do Rio, seu contemporâneo, defendeu “as questões dos poveiros”, abordando a questão dos pescadores originários de Póvoa do Varzim, em Portugal.

Dessa maneira, podemos dizer que essas peculiaridades tanto sobre a vida quanto a obra de Lima Barreto nos permite dizer que ele foi um homem da sua terra, porém a frente de seu tempo. Criticava asperamente o Brasil, não só nos seus romances, crônicas e contos como nos artigos de jornal, porque se sabia inteira e completamente brasileiro, “preso ao seu País pela sensibilidade”, como mais de uma vez lembrou.

Em termos de comparação, ao observarmos a biografia de Lima Barreto, também podemos destacar alguns dos importantes acontecimentos da História da Maçonaria Gobiana, correlatas ao seu tempo.

Assim, destacamos que, em 04 de julho de 1881 foi eleito Grão-Mestre do GOB, o Conselheiro João Alfredo Correa de Oliveira e como seu Adjunto, o Almirante Artur Silveira da Mota, que acabou exercendo o cargo de Grão-Mestre no período de 29 de setembro de 1881 a 05 de maio de 1882, assumindo interinamente Cardoso Junior, até 1885.

Concomitante a esse período, em que, apesar de toda dificuldade, Lima Barreto escreveu sua história, o Grande Oriente do Brasil também passava por dificuldades e incertezas, tendo inclusive vários Grão-Mestres em um curto período de tempo. Contudo, mesmo nesses momentos mais críticos, importantes feitos ocorreram para a consolidação da História do GOB, como por exemplo, a fusão do GOB com o Grande Oriente Unido, do qual era Grão-Mestre Saldanha Marinho, realizada em 1882, durante o Grão-Mestrado de Cardoso Junior.

Destacamos que, em 1885, o Irmão Luiz Antônio Vieira da Silva foi eleito Grão-Mestre.

Em 15 de novembro de 1889, o Marechal Deodoro da Fonseca proclamou a República, tendo como principais apoiadores, líder militar, Benjamin Constant Botelho de Magalhães e do lado civil, Quintino Bocaiúva, único civil a marchar a cavalo para o desfecho do movimento.

Lembramos que, Deodoro da Fonseca foi eleito Grão-Mestre do GOB em 19 de dezembro de 1889. Em 1º de junho de 1917, Nilo Peçanha é eleito Grão-Mestre do GOB. Vale ressaltar que, Nilo Peçanha foi Deputado, Senador e Governador do Estado do Rio de Janeiro, além de Vice-Presidente, posteriormente, Presidente da República, ocasião em que criou os cursos técnicos no Brasil.

No dia 07 de Setembro de 1922, comemoração do Centenário de Independência do Brasil, mesmo debilitado, Lima Barreto encontrou-se no Centro da Cidade com o jovem, ainda desconhecido, Luiz da Câmara Cascudo, em que se dispôs a caminhar pelas ruas do Centro, talvez pela última vez, tendo em vista que, logo após, veio a falecer.

Gonzaga de Sá, um dos vários personagens de Lima Barreto, dizia: “para se compreender bem um homem, não se preocupe em saber como oficialmente viveu. É preciso saber como ele morreu; como ele teve o doce prazer de abraçar a morte como ela o abraçou”.

Possivelmente, um dos sonhos de Lima Barreto, enquanto escritor, era se tornar imortal. Talvez, por isso, se candidatou três vezes a uma vaga na Academia Brasileira de Letras: 1917, 1919 e 1921, porém, não logrou êxito em nenhuma das tentativas. Contudo, embora não tenha alcançado esse objetivo, podemos dizer que, mesmo póstuma e tardiamente, ele foi imortalizado através de suas obras.

Nesse sentido, podemos destacar as personagens mais famosas dos seus 17 livros, e que deram o título aos respectivos livros, foram: Escrivão Isaias Caminha, Policarpo Quaresma e Gonzaga Sá.

Ainda, cabe salientar que, geralmente, as grandes invenções aconteceram por acaso. Assim, podemos dizer que foi o caso do genial Lima Barreto que, mesmo sem se dar conta, criou o Romance Social Brasileiro e, ainda hoje, quase 100 anos após sua morte, é considerado por vários críticos literários, um dos pré-modernistas brasileiros.

Lima Barreto sempre viveu na dependência de outrem ou no limite de suas possibilidades econômico-financeiras, mesmo assim, não parou sua vasta produção intelectual. Jamais deixou de ler os grandes autores de sua época, tendo inclusive sucumbido tendo um dos periódicos de sua preferência: Revue des Deux Mondes (tornando-se em 1830, o Jornal dos Dois Mundos), uma revista mensal francesa, fundada em 1829 por Prosper Mauroy e Pierre de Segur-Dupeyron e editado por François Buloz.

Lima Barreto foi, embora controvertido, no início do Século XX, um dos escritores mais importantes do Brasil. Por isso, prestamos nossas homenagens a esse grande jornalista, escritor, cronista, crítico, teatrólogo e pensador social, um dos maiores de sua época, que nos deixou aos 41 anos.

Assim, destacamos que, Lima Barreto, mesmo a sua maneira, jamais deixou de falar e até mesmo lutar pelo que acreditava. Apesar das condições adversas que tivera, não parou nunca de produzir, por isso, no seu curto tempo vivido entre nós, nos legou, para além de sua obra literária, a reflexão de que devemos manter sempre o positivismo, principalmente em meio as adversidades.

Nesse sentido, os pioneiros não devem cair no nosso esquecimento, muito menos ter sua história deteriorada. Eles desbravaram nossos caminhos, os quais, em sua maioria, frutificaram e nos alimentam até os dias de hoje.

Vejamos, por exemplo, a Maçonaria Gobiana, depois de muitas idas e vindas no seu caminhar inicial, hoje pujante e vigorosa. Mas, para assim se manter, faz-se necessário manter a disciplina, a ordem e a justiça, o respeito e obediência aos princípios e Legislações Maçônicas, pois, sem essa observância, nossa Instituição poderia se transformar em uma “ONG informal”.

Quanto ao grande escritor Lima Barreto, apesar de toda dificuldade, podemos denominá-lo, como já dito anteriormente, o criador do Romance Social Brasileiro. Ainda segundo alguns autores, ele também é considerado um dos precursores do modernismo, que no Brasil teve seu início marcado com a Semana de Arte Moderna, em São Paulo, em 1922, ano em que Lima Barreto morreu.

Esse grande escritor brasileiro, pré-modernista possuía dois grandes amores em sua vida, dos quais, não abria mão: a literatura e o Rio de Janeiro. Contudo, não viveu o suficiente para usufruir do reconhecimento tão esperado por suas obras e tampouco para vivenciar um dos grandes acontecimentos culturais do Brasil, que foi a Semana de Arte Moderna.

Finalmente, que possamos ser, não pioneiros como fora Lima Barreto e tantos outros, mas, mantenedores e guardiões da sabedoria, sobretudo maçônica, uma das razões para a sua longevidade.

AILDO VIRGINIO CAROLINO
Grão-Mestre Adjunto
Presidente do CEO

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