O HERÓI DE TRÊS ABOLIÇÕES

by Grão-Mestre Adjunto

O HERÓI DE TRÊS ABOLIÇÕES

A nossa história registra que, ainda em meados do século XIX, o Brasil ainda era um dos poucos países que mantinha a escravidão. Por sua vez, alguns religiosos deixaram de lado sua verdadeira missão, levando uma vida que, muita das vezes, causava inveja a senhores de escravos ou de engenho.

Assim foi o cônego João Carlos Monteiro, doutor em cânones pela Universidade de Coimbra e principal representante do clero na cidade de Campos dos Goytacazes, a mais importante cidade do Norte-Fluminense. Ele era muito influente na região na qual gozava de grande prestígio social e político.

Maçom, membro da Loja Firme União, o cônego possuía, além de várias propriedades, a Fazenda do Imbé, na região, bem como cerca de 100 escravos.

Este era o pai de José Carlos do Patrocínio, maçom e um dos mais importantes homens de sua época, cuja mãe era escrava alforriada com cerca de 13 anos, alta, esguia e bonita, a quitandeira de nome Justina Maria do Espírito Santo, foi mais uma a cair nas graças do cônego João Carlos que a levou da fazenda para a sua casa na cidade, como sua concubina.

Assim, no dia 09 de outubro de 1853, na cidade de Campo dos Goytacazes, a menina Justina deu à luz ao menino José do Patrocínio, o qual nunca chegou a ser reconhecido oficialmente pelo cônego. Contudo, sempre tido e havido por filho natural do religioso, criado em meio da escravaria, porém, com uma certa regalia.

José do Patrocínio herdou a vocação política do pai, o austero Cônego João Carlos Monteiro, senhor de muitas fazendas e muitos escravos, além de deputado provincial em várias legislaturas.

Destacamos que, com pouco mais de 13 anos, José do Patrocínio viria para o Rio, recomendado ao Visconde de Alvarenga, professor da Faculdade Nacional de Medicina, que lhe arranjaria um emprego modesto na farmácia da Santa Casa.

Dali, saiu para empregar-se na Casa de Saúde do Dr. Batista do Santos, depois Visconde de Ibituruna, estudando de graça no Colégio de João Pedro de Aquino, na esperança de conseguir em breve um diploma de médico. Com vinte mil-réis que obteve de uma Sociedade Beneficente ingressaria na Faculdade de Medicina, abandonada em consequência de uma reprovação em filosofia. Conseguiria, porém, o diploma de farmacêutico em 1874, com o qual poderia voltar a trabalhar na Farmácia da Santa Casa. Mas o destino traçava outros roteiros.

O colega Sebastião Catão Calado, que lhe fornecia casa e comida, forma-se no mesmo ano e transfere-se para Santa Catarina.

Patrocínio é acolhido por outro companheiro, João Rodrigues Vilanova, enteado do capitão Emiliano Rosa de Sena, que o contratara para ensinar à filharada pequena. Casa, comida, roupa lavada e um régio salário de cem mil-réis mensais. Enamora-se de uma das alunas, Maria Henriqueta. E logo o capitão Emiliano se transforma de seu patrão em seu sogro.

Com um salário bastante considerável para época, podia levar uma vida razoável no Rio de Janeiro, frequentando as confeitarias elegantes onde se reuniam os intelectuais, de quem se tornou amigo. Um desses nomes era José Ferreira de Sousa Araújo, que fundou, em 1875, a Gazeta de Notícias, para onde levaria José Patrocínio em 1877.

Na Gazeta de Notícias, encontrara o advogado e abolicionista José Ferreira Menezes, filho de escravos, que no jornal estava na frente de combate pela Abolição. Foi aí também que ouvira conversas estranhas e veladas sobre conspirações em marcha para derrubar o Império.

Gostou da história, na qual o próprio sogro estava envolvido, e assistiu, talvez assustado, em plena sala da chácara dos Sena, a instalação de um secreto Clube Republicano.

Não tardou a se fazer conhecer, pelo estilo eloquente dos artigos que começava a produzir, ora bombásticos, ora revolucionários, pregando a redenção da raça escrava. Era uma linguagem clara, cortante, incendiária, que o povo entendia, apreciava e ainda mais contundente a partir de 1881, quando, morto Ferreira de Menezes, e com 15 contos de réis emprestados pelo sogro, comprou o jornal A Gazeta da Tarde, que o companheiro fundara um ano antes, ou seja, em 1880, para a defesa das mesmas causas abolicionistas e republicanas, o qual se tornara um dos mais populares do Rio de Janeiro.

Daí por diante, seria impossível calá-lo. E não ficaria apenas nas palavras. Partiria também para a ação, fundando ainda em 1881 o Clube dos Libertos contra a Escravidão, ao lado de João Clapp, abolicionista que se tornou o presidente da confederação abolicionista e pioneiro em promover a educação gratuita para ex-escravos. Através dele espalhou escravos alforriados, impedidos de frequentar os colégios públicos.

Adiante participaria, com Joaquim Nabuco, da criação da Sociedade Abolicionista. E estenderia a campanha a outras províncias, notadamente Amazonas, Bahia, São Paulo e especialmente o Ceará, onde seria recebido como herói nacional quando o jangadeiro Francisco Nascimento decidiu que ali não entrariam mais escravos.

Em pouco tempo os reflexos de seu prestígio se espalhavam por todo o Império e transpunham oceanos. Seria a seu pedido que Victor Hugo, em 1884, escreveu a célebre carta à D. Pedro II, exortando-o a libertar os escravos do Brasil. No ano seguinte resolve atacar o escravismo em seu mais forte reduto, a sua Campos natal, onde sua mãe, já se encontrava muito doente. Foi uma consagração.

Registra-se que, em plena rua, a caminho do Teatro São Salvador, onde seria saudado por Luís Carlos de Lacerda, um jovem 18 anos ajoelha-se aos pés da velha quitandeira Justina e beija-lhes as mãos. Logo o filho quis saber quem era. Era Nilo Peçanha, o “filho de Seu Sebastião da padaria, lá do Morro do Coco”, em Campos dos Goytacezes.

Quando de volta ao Rio, Patrocínio traçou uma trajetória sem desvios no rumo da Abolição, que iria conseguir a qualquer custo. Não entendeu, por isso, a posição de alguns companheiros de lutas, como Quintino Bocaiúva, que tendo feito o mesmo em relação à República afastaram-se do que consideravam uma causa menor. Quintino percebeu que a propaganda abolicionista carrearia para os inimigos do Império a antipatia dos senhores rurais, a elite que servia de esteio ao trono de Pedro II.

Por sua vez, Patrocínio não iria perdoá-lo nunca pelo que consideraria uma traição a causa. E essa animosidade acentuou-se ainda mais após o 13 de maio, quando, tomado de gratidão pela Princesa Isabel, Patrocínio teria armado contra seus inimigos a temível Guarda Negra.

Lembramos que, a Guarda Negra era um grupo de libertos arregimentados pessoalmente por José Bonifácio para silenciar, a todo custo e, inclusive, a cacetadas as conferências republicanas que se tentassem fazer no Rio de Janeiro, como a de Silva Jardim, que provaria nas costas magras o peso dos punhos dessa legião de fanáticos.

Apesar disso, Patrocínio se candidatara a vereador pelo Partido Republicano e, surpreendentemente, é eleito. Mais supreendentemente ainda, foi ele quem conduziu o povo para a Câmara Municipal, na tarde de 15 de novembro de 1889, para legitimar a República proclamada ao amanhecer.

Podemos dizer que, essa contradição levaria Rui Barbosa, num evento posterior, a lançar contra ele o epíteto terrível de o “último negro vendido no Brasil”. Contudo, mesmo com essas contradições, não podemos nos esquecer de que Patrocínio foi o principal articulador da Abolição da Escravatura.

Vencedora a Abolição, vencedora a República, parecia que Patrocínio ficou sem causa por que lutar. Os largos espaços de “A Cidade do Rio”, antes ocupados pela pregação panfletária da liberdade, passaram a abrigar elogiosas matérias pagas pelo governo provisório. O que lhe permitiu viver algum tempo sob as luzes embriagadoras de Paris, onde depois manteria representante fixo de seu jornal, o irrequieto Olavo Bilac.

É bem possível que, poucos tenham conhecimento de que José do Patrocínio, antes mesmo da Abolição da Escravatura, também lutou contra a pena de morte, ou seja, pela sua abolição, a qual ainda era vigente no Brasil, sendo a última execução realizada em 28 de abril de 1876, contra o negro Francisco, na província de Pilar, em Alagoas.

Assim, podemos dizer que, a luta de Patrocínio por essa segunda Abolição teve início no final do ano de 1877, quando chegou na Gazeta de Notícias, onde trabalhava, um telegrama vindo de São João da Barra, dando a notícia de que, em Itaperuna, um branco em seu leito de morte, revelara ao padre que, a sua cabeceira lhe prestava assistência espiritual, ter sido ele o autor dos assassinatos que levaram à forca o cidadão Manoel da Mota Coqueiro e mais três empregados, no ano de 1855, isto é, há cerca de 22 anos.

Assim, em 10 de dezembro de 1877, sob o título de “A Pena de Morte”, José do Patrocínio dava início a uma série de reportagens visando o combate a pena de morte no Brasil Imperial, a qual, por fim, anos mais tarde, conseguira abolir.

Vale lembrar que, Mota Coqueiro era um homem de muitas posses, possuindo muitas terras e escravos, dentre suas fazendas, localizada em Macabu, Município de Macaé, além de possuir também residências em Campos dos Goytacazes.

O fato que levou Mota Coqueiro à forca fora um dos mais violentos massacres de que se teve notícia na região, ou seja, o extermínio de uma família humilde, constituída por pessoas dele dependentes.

A chacina ocorreu com extrema crueldade, na data de 12 de setembro de 1852. Na ocasião foram mortos Francisco Benedito da Silva e toda a sua família composta de mulher, filhas de mais de 14 anos, duas de mais de 7 anos e uma de 3 anos, ao todo, 8 pessoas. Elas foram empilhadas dentro da própria casa, na qual foi ateado fogo, só não foram carbonizadas porque choveu.

Vale ressaltar que, Mota Coqueiro sempre jurou inocência, mas, mesmo assim, foi condenado à pena capital, apesar de vários recursos, todos negados, até mesmo o pedido de indulto ao Imperador D. Pedro II, que atendendo parecer despachou: “o réu não merece a Imperial Clemência”. Assim, Manuel da Mota Coqueiro e mais três empregados seus foram executados por um crime que não cometeram.

Dessa forma, ressaltamos que, a série de reportagem e campanha contra a pena de morte escrita e liderada por José do Patrocínio, culminou com a sua extinção. Ficando a lição em um erro judicial que jamais poderá ser consertado, principalmente em se tratando de pena capital.

Patrocínio consumira as últimas energias nos artigos diários para “A Notícia” e “O Paiz”, no que julgava ser essa uma terceira Abolição, tramada em um jornal de Niterói, em 1901. Chamaram-no para discutir a ideia de indulto de todos os negros condenados a penas perpétuas antes do 13 de maio, Patrocínio anteviu a repetição da festa naquele domingo distante de 1888 e empolgou-se.

Eleito presidente da Comissão, redigiu ele próprio o pedido endereçado ao governador da Província, Quintino Bocaiúva, o mesmo com quem confrontava há vários anos e cuja candidatura ao cargo combatera, ainda no ano anterior.

Apesar disso, Quintino mandou levantar em todas as cadeias fluminenses a relação dos possíveis beneficiários. Teriam apenas dois.

Indultou um e deixou que o outro apodrecesse na prisão. Em torno da liberdade daquele um e sem autorização de Patrocínio, fizeram um estardalhaço monumental, como se quisessem atribuí-lo a sensação de ser o tigre de mais uma abolição: a extinção da pena de prisão perpétua aos negros, que se tornaram ex-escravos.

Tempos de fausto, mas prenúncio de dolorosa decadência, marcada pela pobreza, fome e o exílio. Os tempos duros de Floriano Peixoto, o confinamento no Alto-Amazonas, o estertor da “A Cidade do Rio”, o sonho desvairado de um dia levantar voo no balão “Santa Cruz” que construíra, o afastamento dos amigos, enfim, a morte o chegara por uma pneumonia, época em que morava num casebre de subúrbio, em 29 de janeiro de 1905.

É importante registrar que, no dia seguinte a sua morte, mais de duas mil pessoas desfilaram diante de seu corpo, depositado na Igreja do Rosário, a “Igreja dos Pretos”, onde maestro Francisco Braga regeu um coro com sessenta músicos. Mas isso não contribuiu em nada para

enganar a fome dos filhos e de Maria Henriqueta, que a ele sobreviveu 24 anos.

Embora infortúnios tenham marcado a trajetória desse herói nacional, sobretudo ao final de sua via, é importante que, jamais nos esqueçamos de seu legado, sobretudo para a História de nosso país.

José do Patrocínio foi um grande homem, um verdadeiro maçom, que lutou com afinco por causas nobres e de grande relevância, saindo vitorioso delas e, com isso, podemos dizer que, contribuiu para tornar o Brasil um lugar onde a Liberdade, a Igualdade e a Fraternidade estejam sempre presentes.

Assim, as vésperas desse 13 de Maio de 2017, convidamos a todos os maçons a render homenagem a esse herói de três importantes e históricas abolições.

AILDO VIRGINIO CAROLINO
Grão-Mestre Adjunto

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