ORIGEM E EVOLUÇÃO DA COOPERAÇÃO APLICADA AO TRABALHO
O cooperativismo é, conforme abordamos em nosso texto anteriormente publicado, uma doutrina ou filosofia em que se adota a sociedade cooperativa como uma forma ideal de organização das atividades econômicas e sociais da humanidade.
Embora o cooperativismo moderno, tal como é hoje conhecido, tenha se originado na antiguidade, passando pelo cristianismo, através da cooperação ou ajuda mútua, é em ROCHDALE, Inglaterra, precisamente em 21/12/1844, que nasce a primeira cooperativa nos moldes atuais.
Desta forma, vale fazermos um mergulho no túnel do tempo para encontrarmos vários tipos de cooperação, nem sempre voluntário, mas que tiveram papel relevante, sobretudo quanto ao aspecto trabalho. Por isso mesmo é que vamos trazer à tona a cooperação ou ajuda mútua e sua evolução ao longo da história, para que possamos visualizar o cooperativismo desde a fase mais embrionária possível.
Assim, tendo em vista o cooperativismo, podemos definir a cooperação como um método ou ação pela qual as pessoas ou famílias, com interesses comuns, realizam um empreendimento, onde os direitos e deveres são iguais e o resultado alcançado repartido proporcionalmente à produção de cada um.
Assim como os nossos antepassados foram necessários para o nosso nascimento, o cooperativismo teve na cooperação ou na ajuda mútua, o seu verdadeiro embrião. Por esta razão, visando trazer, aos nossos dias, um pouco dessa invulgar “empresa”, estamos destacando, resumidamente, o quadro evolutivo da história da cooperação aplicada ao trabalho.
Desta forma, abaixo, indicamos o que adotamos como período inicial da cooperação: Egito, há aproximadamente 4 mil anos a.C., com a construção das Pirâmides; Babilônia, há aproximadamente 2 mil anos a.C., com a Construção do Jardim Suspenso; China, por volta do século V a.C., com a travessia do Rio Yang-Tsé pelos mercadores; Grécia, por volta do século IV a.C., contudo, aqui, faz-se necessário destacar duas linhas de pensamentos filosóficos, ou seja, a dos filósofos tradicionais e a dos sofistas:
FILÓSOFOS: Pitágoras: foi o primeiro a lançar o termo filosofia e desenvolvimento numa concepção de reencarnação da alma. Xenofontes: Para ele, o trabalho é a retribuição da dor mediante a qual os deuses nos vendem os bens que recebemos. Platão: Ele dizia que, os trabalhadores da terra e os outros operários conhecem só as coisas do corpo. A sabedoria implica conhecimentos de si mesmo, nenhum deste é sábio em função de sua arte. Aristóteles: Para ele, a escravidão de uns é necessária para que os outros possam ser virtuosos.
SOFISTAS: Protágoras, Górgias e outros cujo entendimento era que:
O homem é a medida de todas as coisas.
Nada do que é bom e belo conceberam os deuses aos homens sem esforços e sem estudo.
Se queres que a terra te produza frutos abundantes, deveis cultivá-la.
O trabalho agrada aos deuses…
Há que se mencionar que no Pré-Cristianismo e no Cristianismo: os bens existentes deveriam servir a todos. Era uma espécie de socialismo puro. Vale lembrar que, apesar do homem e seu trabalho terem agora os sofistas como aliados e defensores, é no Cristianismo que a ajuda mútua ganha força e o trabalho humano passa a ser, efetivamente, respeitado e valorizado. Na verdade, isto fica bastante claro desde Gênesis, quando lá encontramos: “com o suor do teu rosto comerás o pão até que te tornes a terra, pois, dela foste tomado, porquanto tu és pó, e em pó hás de tornar”. Outra manifestação também muito importante é a de São Paulo que nos deixa a seguinte lição: “se alguém não quer trabalhar, que não coma”.
Destacamos que, o Renascimento (séculos XV-XVI) contribuiu muitíssimo para o desenvolvimento do conceito de trabalho, bem como a sua valorização. Vemos aqui a consciência do valor do trabalho, agora não mais como algo aviltante, nem mero dever individual, mas sim como a própria causa eficiente da produção de coisas ou bens.
O período Iluminista (século XVIII) nos deixa um grande legado, sobretudo no que diz respeito a pessoa humana, como exemplo, destacamos o grande pensador Rousseau (1712-1778), que nos deixou a seguinte mensagem: “Aquele que come na ociosidade o que não ganhou por si só, rouba de outrem”.
Temos também os Astecas (século X-XVI), os Maias (séculos X-XVII), ambos na Região Centro-Americana e os Incas (séculos XI-XVI), no Peru. Segundo alguns historiadores, eles viveram num regime de verdadeira ajuda mútua. Embora o Rei mantivesse a soberania da terra, esta era dividida em propriedades familiares entre os súditos, que reservavam partes da produção para o seu rei. Além dos adultos, crianças e idosos também trabalhavam nas construções de irrigação, combate às pragas, obras de defesa e embelezamento dos locais a eles destinados, além de festas coletivas ou religiosas. Aqui a divisão do resultado das colheitas era proporcional ao trabalho de cada um e ainda se adotava a prática de empréstimo de sementes àqueles que perdessem a sua colheita.
É muito importante destacar que, no Brasil, entre os séculos XVII e XIX existiram dois tipos de sociedades solidárias, bastante similar à ajuda mútua. Assim, abaixo, elencamos alguns exemplos: Os indígenas catequizados pelos jesuítas e suas experiências à ação motivadora dos padres. Os negros fugidos das senzalas e os Quilombos. Aqui, o desejo da liberdade e sua manutenção levaram os quilombolas a uma postura eminentemente solidária. Talvez, a mais importante manifestação de solidariedade até hoje realizada no Brasil e que ainda não foi devidamente estudada e reconhecida em sua plenitude. Dentre os quilombos, há que se destacar o de Palmares, pois, sua forma de organização denotava a um autêntico socialismo.
IGUALDADE – FRATERNIDADE. Estes princípios eram e são os fundamentos da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, publicado em 1789. Esta também foi o ano da Revolução em questão, sendo a queda da Bastilha um dos seus pontos altos em termos de marco histórico.
Na Europa, em particular, Inglaterra e França, conviviam várias classes sociais. Além das classes dos Nobres e da Igreja, havia ainda a Plebe (operários e empregados de serviços gerais), a Pequena Burguesia (artesãos, pequenos comerciantes, intelectuais e artistas), sem se falar na Burguesia propriamente dita (banqueiros, grandes comerciantes, donos de fábricas, médicos, advogados etc.). Esta última classe tinha um certo poder econômico, mas não tinha e nem gozava de nenhum poder político, ou seja, o poder decisório não passava por eles.
É oportuno lembrar que, nas asas da Revolução Francesa, como já frisamos, veio a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, extremamente importante e em vigor até hoje, estabelecendo, dentre outros, os seguintes princípios:
“– os homens nascem livres e iguais em direito;
– todos os cidadãos tem o direito de concorrer para a elaboração da Lei, pessoalmente e por intermédio de delegados;
– a Lei deve ser a mesma para todos;
– os tributos devem ser igualmente repartidos por todos os cidadãos, proporcionalmente a seus bens;
– todo cidadão tem direito à liberdade, à propriedade, à segurança e à resistência à opressão;
– a liberdade consiste em poder fazer tudo aquilo que não prejudique outrem;
– a sociedade tem o direito de pedir contas a todo o agente público pela sua administração…”
Os referidos princípios, além de reconhecidos foram expressamente declarados, na presença e sob os auspícios do Ser Supremo, conforme diz o preâmbulo da própria Declaração, bem como nas demais Constituições Francesa. Contudo, não foram somente as Constituições Francesa que editaram e consagraram esses princípios. Quase todas as Constituições dos países de governo democráticos, os consagraram de forma expressa ou tácita. Assim, tais princípios tiveram registrada sua importância que, até os dias de hoje, são levados em conta.
Registre-se que, na essência, o cooperativismo não é diferente, uma vez que se quer, sobremaneira, valorizar a pessoa humana, enquanto o capital é apenas o meio ou o instrumento que visa propiciar ao cooperado atingir os seus objetivos. Portanto, doutrinariamente, tanto na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão como no cooperativismo, devolver a dignidade da pessoa e atender todas as suas necessidades são metas a serem atingidas por ambos, através da aplicação dos seus princípios doutrinários e filosóficos, tendo em vista ser os mesmos centrados no ser humano.
Cumpre esclarecer que, em verdade, a Era chamada “Revolução Industrial” já havia começado, mas coincidentemente, só com a chegada da burguesia francesa ao poder é que se tem um grande impulso na economia industrializada, sobretudo na Inglaterra, refletindo na França e resto do mundo.
Por sua vez, as classes operárias e pequena burguesia passaram de uma situação ruim para uma péssima condição econômica social, aumentando, portanto, a miséria, mas teoricamente, com mais liberdade. Pode-se dizer que, a Inglaterra foi a grande “estrela” e, até mesmo, a mãe da referida Revolução Industrial, de onde irradiou-se para todo o mundo.
Assim, o liberalismo aliado a outros fatores provocou a primeira grande corrida “tecnológica” da história, que foi a Revolução Industrial. Em razão do desenvolvimento daí advindo as pequenas e micro organizações fecharam, causando, com isso, graves prejuízos sociais, principalmente na Inglaterra, que era o centro industrial do mundo.
Lembramos que, a Revolução Industrial consiste no conjunto das transformações técnicas, econômicas, sociais e até mesmo políticas iniciadas em meado do século XVIII, culminando com construção da primeira locomotiva a vapor, em 1814. Além do surgimento da grande máquina de tecelagem, para as fábricas de tecidos, que foram o carro chefe da economia inglesa daquela época.
Evidentemente que, essa Revolução fez desencadear um grande desenvolvimento sob o ponto de vista “tecnológico”, posto que deu início à mecanização industrial, novo marco da transformação de riquezas no mundo ocidental. Por outro lado, essa Era provocou o surgimento de um período social marcadamente tenebroso, gerando desemprego em grande escala, fome e miséria coletiva, além de outros desajustes inaceitáveis e desumanos, como por exemplo, a utilização de crianças menores de 06 anos de idade como mão de obra, ou seja, para trabalhar nas fábricas, principalmente nas de fósforo, em condições precárias e imorais. Tudo isso a troco de quase nada ou de uma “ração de alimentos”.
Nesse sentido, vale dizer que toda essa situação tem como decorrência a precariedade da saúde e consequentemente, grandes surtos de doenças, sobretudo, aquela que deixou marcas enormes e que foi denominada “peste negra”. Da classe “média” para baixo, a insatisfação era geral. A valorização do capital em detrimento da dignidade da pessoa humana era cada vez maior.
Todavia, paralelo a tudo isso, na outra extremidade, acenando como única alternativa capaz de solucionar todos os problemas da classe operária e outras menos favorecidas, surgem as teorias de MARX e ENGLES, que foram mais tardes lançadas como manifesto comunista, pretendendo explicar as injustiças da economia capitalista e anunciar os princípios segundo os quais a sociedade capitalista seria destruída pelo seu próprio veneno, permitindo o advento de um Estado Proletariado, admitindo-se inclusive o emprego de força.
Agora, com a exposição dessas questões, estávamos, portanto, diante do seguinte quadro: de um lado tínhamos o capitalismo imoral e sem qualquer limite, enquanto no outro extremo, já dando os seus primeiros rugidos o socialismo-comunismo. Um verdadeiro dilema para algumas classes de trabalhadores.
No meio de tudo isto e sofrendo as consequências do embate entre o capitalismo e o socialismo embrionário estavam os pequenos comerciantes, os intelectuais, os artistas e, principalmente, os artesãos, além de outras categorias componentes da classe média da época, uma vez que, nenhuma das duas alternativas atendia aos reais anseio dessas categorias, que também queriam ver respeitados os seus direitos de cidadão, já então previsto na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.
É exatamente neste estado de incertezas e dúvidas quanto às alternativas apresentadas que nasce o cooperativismo moderno, embasado na cooperação, na ajuda mútua, na solidariedade, na neutralidade política e religiosa, na liberdade com responsabilidade, na ética e honestidade, na educação constante, no apoio aos familiares dos sócios e da sociedade em geral e, principalmente, comprometida com a busca de solução das necessidades econômicas e sociais dos trabalhadores associados.
Enfatizamos que, vários foram os cooperativistas de primeira hora, que muito contribuíram não só para o surgimento de novas organizações, mas também para o desenvolvimento da “nova doutrina da cooperação”. Contudo, lembramos que na sua fase inicial, o cooperativismo atual teve como destaque, dentre tantos outros, duas grandes figuras: ROBERT OWEN e JACOB HOLYOAKE que, no nosso entender foram os principais gênios da teoria e da história do movimento ou sistema cooperativo ora em estudo.
Ressaltamos que, ROBERT OWEN (1771-1858) era de origem artesã, uma vez que seu pai foi um grande artesão. Foi ele o primeiro a organizar cientificamente o cooperativismo, articulando-o com todo organismo social e dando aos fins cooperativos uma significação mais ampla, bem como uma maior extensão de todos os seus aspectos. Foi ele também um pensador-cristão e o primeiro a organizar nacionalmente um sindicato (1834) e defender uma nova visão do socialismo através da cooperação e não de forma tão radical como fora proposto por alguns estudiosos e teóricos da época. Posteriormente, OWEN elege como seu sucessor o jovem HOLYOAKE, que absorve e desenvolve a filosofia cooperativista, transformando-se no primeiro e principal historiador do cooperativismo moderno.
Todavia, foi em 1838 que, ROBERT OWEN conheceu JACOB HOLYOAKE (1817-1906), na época, grande socialista-cristão e defensor da ajuda mútua, que se transformou, no seu tempo, no maior e melhor historiador dos Pioneiros de Rochdale. Foi exatamente HOLYOAKE que, em 1843, ainda bem jovem fez uma conferência em ROCHDALE sobre AJUDA MÚTUA e a COOPERAÇÃO, tendo como consequência grande repercussão e que vieram influenciar na criação e fundação da Cooperativa dos Pioneiros de Rochdale (21.12.1844). Sendo a referida organização composta de vinte e oito (28) tecelões, mais precisamente, vinte e sete (27) homens e uma (01) mulher, cujo nome era ANNE TWE-DALE. O capital social inicial foi de uma Libra Esterlina para cada sócio fundador, no total de vinte e oito libras.
Vale destacar que, o sucesso da “Sociedade dos Probos Pioneiros de Rochdale” foi tão grande que, no seu primeiro ano de existência, teve o seu capital aumentado de 28 para 180 libras e, em menos de 10 anos, já contava com mais de 1400 cooperados.
Dessa maneira, a partir desses exemplos de superação e inovação advindos da filosofia cooperativista, podemos refletir sobre a importância de não nos mantermos conformados com as mais diversas situações que nos deparamos, sobretudo nós, Maçons. Nosso é o dever de trabalharmos a favor da construção de uma sociedade mais solidária, justa, fraterna e com igualdade de oportunidades para todos.
Concluindo, conclamamos todos os Maçons a serem cada vez mais proativos nessa caminhada, que possamos ser, efetivamente, paradigmas para nossa sociedade, além de verdadeiros construtores sociais.
AILDO CAROLINO
Grão-Mestre Adjunto
Presidente do CEO