ANTÔNIO GONÇALVES TEIXEIRA E SOUZA – O PRIMEIRO ROMANCISTA BRASILEIRO
O folclorista e grande historiador Luís da Câmara Cascudo já dizia, com certa propriedade que, “não há brasileiro sem uma pontinha de sangue negro”. De fato, foram os afrodescendentes que, através de seu trabalho físico forjaram no Brasil uma nação produtiva, além disso, emprestaram a sensibilidade e a religiosidade para compor a formação do povo brasileiro. Essa mistura nos faz um povo diferente, como afirma o Mestre Darcy Ribeiro.
Vale destacar que, mesmo sofrendo discriminação e enfrentando preconceitos de todas as maneiras, muitos deles se destacaram em diversas áreas, tais como artes, literatura, jornalismo e ciências, transpondo assim o bloqueio de uma sociedade que não lhe oferecia nem permitia condições de sobreviver nela com dignidade. Embora de forma mais amena, foi o que também ocorreu com Teixeira e Souza, criador do primeiro romance no Brasil.
Lembramos que, segundo Mestre Aurélio, o gênero literário denominado romance é a descrição mais ou menos longa das ações e sentimentos de personagens fictícios, numa transposição da vida real para o plano artístico.
Antônio Gonçalves Teixeira e Souza nasceu em Cabo Frio, Estado do Rio de Janeiro, no ano de 1812 e faleceu em 1861 na capital do Império do Brasil. Era filho de um pequeno comerciante português e de mãe afrodescendente. Diferentemente da maioria de seus irmãos de cor, seu pai possuía razoáveis recursos, razão pela qual, na sua infância chegou a dispor de bons professores. Todavia, com o advento da Independência do Brasil, seu pai perdera todo seu patrimônio. Por conta disso a família ficou na mais absoluta pobreza.
Esse infortúnio, obrigou o garoto, Teixeira e Souza, que estava sendo criado com zelo, a abandonar os estudos para enfrentar a vida real, trabalhando como ajudante de carpinteiro para auxiliar no sustento da família. Com isso, veio para o Rio de Janeiro, onde trabalhou nessa profissão por cinco anos.
É bem verdade que, houve até quem se oferecesse para lhe custear os estudos, com vista à faculdade de medicina, curso tão sonhado por ele na infância. Contudo, em razão de sua forte personalidade e senso de responsabilidade recusou tais ofertas, posto que, segundo ele, seria injusto abandonar o pai em um momento de grande dificuldade econômica e com uma família numerosa a sustentar, a qual ele já ajudava através do seu trabalho como carpinteiro.
Teixeira e Souza só retornou à terra natal, Cabo Frio, após terem morridos os quatro irmãos mais velhos. Contudo, após a morte dos pais, por volta dos seus 20 anos de idade, ele retornou ao Rio de Janeiro, onde começaria os estudos de humanidades, no Seminário São José, amparado e apoiado por outro grande irmão de cor, o negro, livreiro e jornalista Paula Brito, primeiro editor de livros do Brasil, com quem já estava trabalhando.
Entusiasmado com os frequentadores da casa de Paula Brito, onde Machado de Assis, começaria sua trajetória literária para alcançar o merecido título de maior escritor brasileiro, Teixeira e Souza publica Cornélia, seu primeiro trabalho literário recebido com reservas e críticas desfavoráveis. Contudo, sem se abater, logo depois, em 1841, lança sua primeira coletânea de poesias, desta vez merecendo os maiores elogios do erudito cônego Fernandes Pinheiro. Sua motivação foi tão grande que, logo escreveu O Filho do Pescador.
Embora, segundo os críticos, não tenha sido a mais bela obra de Teixeira e Souza, O Filho do Pescador, publicado em 1843, foi considerado o primeiro romance brasileiro. Portanto, um marco na literatura nacional.
Em 1847, aos 35 anos, Teixeira e Souza lançou a Epopeia da Independência, que lhe valeu, como agradecimentos do Imperador D. Pedro II, uma nomeação para o modesto cargo de Guarda da Alfândega.
Tendo em vista a necessidade de melhor atender a sua família que acabara de constituir, Teixeira e Souza tornou-se professor público e, talvez porque desejasse continuar melhorando sua condição econômica e social, resolveu publicar, em 1855, a segunda parte da Epopeia da Independência, que a remeteu ao Imperador juntamente com uma carta em versos, pedindo o cargo de Escrivão de órfãos de Cabo Frio.
Impressionado com a qualidade do autor, D. Pedro II fez mais, nomeou-o Escrivão da 1ª Vara de Comércio do Rio de Janeiro, a mais importante da época.
Teixeira e Souza ganhou “status” de alto funcionário público e foi reconhecido pelos críticos da época, como o autor do primeiro romance brasileiro, através da obra O Filho do Pescador. Escreveu, ainda, o poema épico “A Independência do Brasil”, além de “Versos Indianistas”, mas sua fama veio mesmo como narrador folhetinesco. Foi na subliteratura francesa, segundo críticos, e modestamente traduzida na época que, Teixeira e Souza conseguiu inspiração para montar suas aventuras.
O romance romântico foi dirigido a um público amplo, que ia desde o feminino ao jovem em geral, abrangendo, inclusive, um público que pouco frequentava a escola. Esse público com o gosto pelo folhetim de Teixeira e Souza foi quem impulsionou sua carreira de escritor.
Dessa forma, Teixeira e Souza achou na ficção subliterária o mecanismo para atrair um grande número de leitores o público e isso passou a ser a essência da sua obra. Houve uma enorme identificação entre autor e leitor, firmando-se a personalidade do herói-vítima. Foi com ele que o romantismo passou para a narração, bem utilizada pelo autor que, encontrou aí uma forma de explorar a vida e o pensamento da sociedade brasileira da época.
Para Ronald de Carvalho, não há dúvida de que Teixeira e Souza foi o fundador do romance brasileiro e que se especializou em romance popular, cuja identificação com o povo era enorme, confirmada através de obras como: O Filho do Pescador, primeiro romance brasileiro, Tardes de um Pintor ou, As Intrigas de um Jesuíta e Gonzaga ou a Conspiração de Tiradentes. Diz ainda Ronald de Carvalho: “Os folhetins que estampou em vários jornais da época eram lidos com grande interesse, diremos mesmo com amor, pelo público indistintamente letrado ou não”. Evidentemente que, todo esse sucesso concorria para a novidade dos assuntos, a singeleza do estilo e a facilidade com os quais ele despertava o interesse dos seus leitores.
Desta forma, podemos concluir que, dada as condições do meio em que viveu, Teixeira e Souza que foi um bom e responsável operário, além de relevante escritor, a quem devemos, embora sem adornos ou enfeites, a primeira página de nossa prosa romântica ou o primeiro romance brasileiro.
Contudo, apesar de sua relevância para as nossas letras, ele não recebeu todo o destaque de que merecia, em razão de sua importante obra, nem recebeu o devido reconhecimento pelos relevantes serviços prestados à Cultura e a Literatura Brasileira.
Finalmente, havemos de nos lembrar que, mais uma vez, o destino lhe pregou uma peça. Tendo em vista que, quando sua sorte começava a mudar, e ele já financeiramente estável e gozando de bom prestígio social, um mal hepático o arrebatou de sua família e de seu povo, contando apenas 49 anos de idade. Assim, Teixeira e Souza partira para o Oriente Eterno, deixando para a sua família uma herança de extrema pobreza e, para nós brasileiros, a saudade e a marca da autoria do primeiro romance do Brasil.
Assim, registramos aqui as nossas homenagens a Antônio Gonçalves Teixeira e Souza, um dos maiores escritores do século XIX e o primeiro romancista brasileiro, que sua história de vida nos sirva de inspiração para perseverar em nosso aperfeiçoamento maçônico, a fim de que, quem sabe um dia, possamos ser reconhecidos como alguém que construiu algo de positivo para a nossa sociedade.
AILDO VIRGINIO CAROLINO
Grão-Mestre Adjunto